Por Fabiana Faleiros*
Um novo homem surge junto ao novo coronavírus: o manwatching. Não que ele já não viralizasse na era pré-pandemia. É que agora podemos observá-lo melhor, deitadas na cama nos intervalos do teletrabalho.
O novo homem presente-ausente não te explica didaticamente o que você já sabe, como faz o mansplaining: ou o macho palestrinha. Também não é o manterrupting: ou aquele que não te deixa concluir uma frase.
O manwatching assiste a todos os seus stories calado, sem mandar direct. Pode evoluir para um bropriating: caso venha a roubar suas boas ideias ou te fazer lembrar um gaslighting suave.
A lista é grande e poderia incluir o ramo dos poetas macholíricos e o ramo dos deleuzianos esquizomachos.
Mas vamos focar no silencioso manwatching
Uma breve história do olhar acoplado às imagens digitais ou algumas horas de home office em apps, como o zoom, nos ajudam a perceber como chegamos até aqui.
Os olhares mediados por câmeras nunca coincidem.
Quando olho para a câmera do celular ou webcam a pessoa me vê olhando nos olhos dela e eu não a vejo. Quando olho para imagem dela enquanto ela olha para câmera é a vez dela não me ver. Posso ainda decidir olhar para mim mesma na busca narcísica pelo melhor ângulo.
Nos stories do instagram a situação é diferente. Vemos uma lista de seguidores onde figuram alguns manwatching: ou espectadores assíduos do nosso capital-erótico-midiático-diário.
Confesso que vivo um relacionamento interior com um deles que me assiste em meus sonhos. Talvez seja pelo fato dos stories serem apresentados lado a lado, andando na horizontal – como os travellings, sendo mais íntimos que os posts cuja visualização se dá no feed vertical – como os homos erectus.
Estamos deitades sozinhes em nossas camas; intercalando a economia libidinal dos likes feita com a mão com a visualização stórica horizontal. O desejo faz as mãos rolarem infinitamente na tela do celular como o cachorro de apartamento que esfrega a pata no piso de cerâmica, acreditando que ali encontrará terra para enterrar seu cocô: um ritual impossível para os animais domésticos.
Ver seria o novo curtir? Ou seria: Só Olhar, só Olhar.
O fato é que vivemos esse laboratório do olhar orbitante há alguns anos. o manwatching ainda não elaborou o Triângulo CCC – Curtir, Compartilhar, Comentar. Convenhamos, o que queremos não é só isso. Não dá pra se entregar assim à coreografia das redes sociais, o trabalho sobre o normal é inventar outras formas de amar.
:::
Seguimos querendo trocar Baba, Baby.
_____________
Desafio para você que me lê:
Após ler esse texto publique duas selfies suas: uma olhando pra você, outra olhando para câmera, use as seguintes hashtags: #storiesdosolhos #storydoolho e marque @ladyincentivo e @tendadelivros
________
* Fabiana Faleiros é artista, pesquisadora, doutora em artes pela UERJ e autora do livro O Pulso que cai e as tecnologias do toque (IKREK, 2016).
Live editada no Instagram:
________
“Quando olho para a câmera do celular ou webcam a pessoa me vê olhando nos olhos dela e eu não a vejo. Quando olho para imagem dela enquanto ela olha para câmera é a vez dela não me ver.”
Ah é?
https://www.theverge.com/2019/7/3/20680681/ios-13-beta-3-facetime-attention-correction-eye-contact
😉
Obrigada, Roberto! Super bem-vindo. Em breve responderemos. Mas fica uma pergunta: toda pessoa tem acesso ao facetime?
Fabiana, parabéns!! Seu texto me suscitou muitas sensações, ainda mais nesse contexto pandêmico em que nos defrontamos com múltiplos espelhos de alteridade.
Eu não me preocuparia muito com isso, os robôs do Mark Zuckerberg sempre estão te vendo, “todas as pessoas” não importam mais (parafraseando a Margaret Thatcher).
Roberto, Obrigada por compartilhar a sua preocupação e sua visão de mundo, elas estão expressas nas palavras e citações. Um abraço bem forte da Tenda.