A playlist tem o nome da última conferência da Maria Lacerda de Moura

Por Nabylla Fiori*

Criei a playlist para meditar, para apaziguar os sons do mundo externo à volta, até perceber que são os sons internos que nos perturbam. Os sons são nossos apegos a ideias. Ruídos que ofuscam nossos olhos e fazem com que vejamos o mundo de uma só forma.

São dogmas, teorias científicas, ideologias políticas, crenças religiosas, verdades que urram dizendo como devemos ou deveríamos viver. Ruídos que explicam o mundo, burburinhos que sustentam nossas visões políticas, estampidos de argumentos que justificam nossas ações.

É como se esses sons se materializassem, como se construíssem sob os nossos pés o chão em que vamos pisar e nos apoiar. Posso tapar meus ouvidos e os meus olhos para o mundo sem cores lá de fora, porque eu posso culpar a toxicidade dos outros ou do sistema econômico. Mas e as minhas toxinas? E as notas repetidas que insisto em tocar como se fosse eu uma composição acabada? E o quanto eu não faço eco nas minhas ações ao mesmo sistema que eu brado vigorosamente combater?

A minha cultura e as minhas experiências me atravessam, mas o sentimento que surge com a introspecção amplia a minha orquestra e a minha paleta de cores interna. Como uma artista absoluta, crio a mim mesma, esculpo meus pensamentos, componho a sinfonia do meu ser, conduzo o meu mundo interior e, então, posso tecer outros mundos.

Maria Lacerda me sussurra: “Tudo é criação nossa”.

No silêncio há uma potência. Criativa e criadora. Potência de liberdade. Porque a partir dele retornamos a um cosmos incriado… E, tal como dançam as esferas a sua música, podemos construir a nossa própria harmonia, o nosso cosmos interior. Por vezes, é com o caos que me deparo. Se percebo o meu caos interno, posso reconhecer em cada um a busca da sua própria harmonia, a formação do seu próprio cosmos.

 “Conhece-te a ti mesmo, para aprenderes a amar”: essa é a melodia que Maria Lacerda entoa.

Espiritualidade é, então, conhecimento de si e do seu papel na harmonia universal, interconectada. É ter o pensamento livre para criar e recusar uma civilização de vozes que foram violentamente caladas. É criar e cantar a sua própria melodia. Colorir a ciência sem silenciar a voz da consciência, e não permitir que a razão cale a beleza da dúvida. É uma dança entre o silêncio e o movimento, que realizo com meu corpo porque é dele que partem as utopias, como formas de resistência ao poder que lhe atravessa. E se o universo inteiro se transforma, que sejam os nossos cosmos eterna criação.

A última conferência de Maria Lacerda de Moura se chamava O Silêncio e foi realizada na Fraternidade Rosa Cruz do Rio de Janeiro, em 1944.


Nabylla Fiori: alia a pesquisa de anarquismo e filosofia da natureza com práticas corporais.

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