Carangueja

Por Isabel Soares*

O meu mais honesto desejo é mandar nudes pelo menos uma vez por dia. Fazer uma dieta afrodisíaca. Receber uma massagem tântrica. Entrar nua em cena e oferecer meu corpo pra ser beijado pelo público. Extrair do sexo todo contexto, toda expectativa e tornar o sexo matéria a ponto da genitália, dos braços, dos ossos e das unhas serem a mesma coisa. Enfeitar minha buceta. Erotizar um monumento. Tomar um banho de ervas. Fazer do meu corpo um carimbo. Tomar um banho de sol ouvindo Billie Holiday. Encontrar maneiras de ativar meu corpo pra espantar a preguiça de transar que as vezes eu tenho. Me travestir. Ser um drag king. Lamber a cidade. Fazer uma reunião de trabalho em um motel bem barato. Criar uma fábula, criar alguma espécie de mediação pra falar sobre sexo como se eu precisasse me esconder atrás de uma ficção ou vestir uma máscara, ou ainda como se fosse mais convincente dessa maneira – sendo anônima. Admitir que eu sei pouco sobre o que me excita. Ser mais errante e quem sabe gozar disso. Cair da cama. Encontrar um significado pros meus sonhos recorrentes que ultimamente tem sido com o primeiro garoto por quem eu fui apaixonada na infância. Fazer uma lista com todas as pessoas com quem eu já transei, com todos namorados, namoradas, ficantes… encontra-las de novo e perguntar alguma coisa que ficou pra trás, parece, em todas elas: vocês tiveram prazer? Como foi? Como você transa comigo? E talvez rir. Conviver com o ridículo, com o patético da pergunta. Dar corpo pra uma imagem que tem me perseguido que é uma carangueja que rasga a carcaça e que oferece sua carne pra ser comida – se é que caranguejo tem carne. Não sei, nunca comi caranguejo pra saber. Fazer dançar, em pares, a bacia com o crânio, a pelve com o cérebro, os olhos com os ovários, a boca com o cu.

Isabel Soares é atriz, performer e produtora cultural.

1 Comentário

  1. Lembrei da música de Luedji.
    Das impossibilidades que a pandemia parece aguar, mas das releituras de nós mesmos que só podem ser feitas em isolamento. Tramas do cotidiano

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