Morélia, 03 de outubro de 2020

Por Catalina Pérez

Margarita, tenho imenso prazer em conhecê-la. O dia 2 de outubro é uma data difícil para viajar,  houve o Masacre de Tlatelolco, ocorrido em 1968, mas eu me permiti pois eu ia me encontrar com você no dia seguinte.

Estamos em quarentena e 2 de octubre no se olvida. E eu decidi de um dia para o outro ir à Morélia. Não podia perder a oportunidade de estar perto, nos bastidores, de um acontecimento que na sua época, Margarita, seria censurado e um  perigo mortal.

Você pode imaginar isso?  Uma conversa, charla, sobre lutas, luchas, e sobre as rebeliões das mulheres que não param nem pela geografia nem pela língua. Privilégio tremendo.

Agora, são apenas quatro horas de ônibus da Cidade do México até Morelia, Michoacán.

Na sua época, Margarita, chegar àquela cidade de pedra rosa deveria ser uma das melhores rotas. Sabemos que a cidade foi implantada estrategicamente para fazer desaparecer o passado, ‘evangelizando’ as rebeliões vizinhas de povos indígenas durante a colônia espanhola.

Ali, em direção ao centro-oeste do país, Nayeli Morquecho mudou de vida, juntamente com o seu companheiro e a sua filha Lilia. Fui até ela para ouvi-la conversar. Para apoiá-la  sendo o seu  ouvido  que escuta em português. Não sou tradutora, mas falo o portuñol e ‘dá para entender, né?’.

O encontro com Nayeli aconteceu assim de repente, de forma inesperada. Embora não fosse improvável. Seja ou não aquela coisa dos seis graus de separação possíveis devido às trajetórias que fiz do Brasil ao México. E antes, epa, muito antes de mim, Fernanda foi do Brasil ao México para pesquisar rastros de mulheres como você, Margarita. É vergonhoso, para mim, perceber que li Nayeli, não aqui no México, mas no Brasil pelo Jornal de Borda. Você já o conhece, Margarita, você viveu em suas páginas, querida guerrilheira.

Seu nome impresso, Margarita, já está repercutindo em vários lados, você sabia? O mesmo acontece com o nome de Nayeli, uma jovem socióloga anarquista que escreveu sobre outras anarquistas como você.

Por  Nayeli, ficamos sabendo como você viveu com sua filha Rosaura entre fronteiras. A partir de agora, não verei mais com o mesmo interesse a foto que tanto me alegrou encontrar de Madero e seu pai na Biblioteca da Escola Superior de Agricultura em 1911 em Ciudad Juárez, Chihuahua.

Uma imagem apenas de homens. Eu sei agora que tamanho de homem, que Madero foi. Com a memória que Nayeli reconstrói, eu, bibliotecária de ingenuidade historiográfica, enfrento minha ignorância sobre as “letradas” fuziladas como você. Que ironia para mim. É triste, é real e nós não deixaremos de falar sobre isso.

A conversa me fez ansiar, aprender mais e ler sobre as mulheres anarquistas de hoje que escrevem sobre outras mulheres anarquistas do passado. Suas memórias ainda não foram contadas. Charlas y Luchas é sobre isso, e é um começo.

Ainda parece extraordinário saber de você agora, numa dimensão justa pela mão de Nayeli. Foi uma coisa tremenda ser intérprete, sem ser mais do que uma entusiasta encorajada por saber mais sobre as experiências das mulheres que escrevem, das mulheres que editam, das mulheres que falam de outras mulheres invisíveis. Que privilégio eu tenho.

O amanhecer rosa de uma cidade me chama para caminhar, desço a rua Amado Nervo e me dou conta que o lambe-lambe que colaram no dia da minha chegada, 2 de outubro, foi arrancado. Ele dizia: “Deixe o patriarcado queimar, a misoginia e a falta de empatia. Deixe queimar!” Não importa que tenham rasgado, Margarita, continuaremos a insistir na sua memória e na das suas companheiras.

Catalina Pérez é  bibliotecária e curadora, interesada em posibilitar encontros marginais entre México e Brasil.

3 Comentários

  1. Que texto sensível, amoroso e poético. Não mesmo revelador da força feminina que ecoa pelo mundo, passando por Brasil e México.
    Como diz a canção de Milton Nascimento sobre as mulher: “…é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta. Quem traz no corpo a marca, possui a estranha mais de ter fé na vida.”
    Que orgulho te ler, querida Catalina, te saber portuñando por ahí! Que lindo!

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