A esposa do prisioneiro 4.237

Por Sophia Grigorievna Ananyeva-Rabinovich, com tradução livre de Cibele Troyano*

Passaram-se quinze minutos e meia hora – a esposa de um prisioneiro está acostumada a esperar – e sentada em um banco em uma sombria ante-sala, a jovem tentou se lembrar de tudo o que tinha para dizer ao marido. Tantas coisas, e a entrevista é tão curta – menos de meia hora!
Quantas vezes, deitada no sótão, ela não repetira tudo o que lhe diria; tinha gravado cada palavra na memória, mas agora ela tinha esquecido tudo. . .

Vou lhe dizer primeiro o quanto eu o amo – infinitamente, mais agora do que antes; que se eu ainda estou viva é só por causa dele. Ele não deve saber nada do que sofri durante esses dezoito meses. Eu trabalho, estou bem… pago meu aluguel…O que mais? Eu esqueci tudo; por que não escrevi tudo em um pedaço de papel?


O fio de seu pensamento foi quebrado. Ela se perguntou em que condição o encontraria.


Dezoito meses desde que eu o vi! Eles dizem que são mal alimentados, que precisam trabalhar demais. Ele estará pálido? Terá aquele olhar cadavérico que eu já vi em outros prisioneiros ?


Ela estremece com essa ideia, mas um momento depois já imagina ver João feliz. Um sorriso – um sorriso bom nos lábios dele, quando lhe anunciarem que sua pequena Júlia está lá, que ele vai vê-la imediatamente. E ela se sente feliz com o pensamento de trazer a ele um momento de felicidade

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Trecho do romance de Sophia Grigorievna Ananyeva-Rabinovich de 1886

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Sophia Grigorievna Ananyeva-Rabinovich (1856-1938) era bióloga e zoóloga. Quando seu companheiro – Kropotkin – esteve preso na França, na prisão de Clairvaux (entre 1882-1886), Sophia desistiu de seu doutorado em biologia e mudou-se para o pequeno vilarejo, tendo conseguido autorização do diretor do presídio para levar-lhe refeições diárias. Mesmo assim, não conseguiu evitar que ele contraísse Malária. Nesse período, ela escreveu a novela. Sophia era a principal interlocutora de Kropotkin. Ela era a primeira a ler tudo o que ele escrevia e por vezes o substituiu em algumas palestras.

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*Cibele Troyano: atriz e socióloga, mestre em artes cênicas. Desde 2013 apresenta uma aula teatro a respeito da anarquista Emma Goldman, vista por mais de 2000 pessoas

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