Por Fausto Gracia*
(Leitura Performática com colaboração: Padu Cecconello)
Escrever, pensar, lembrar
me sentar na frente do computador
enviar mensagens por zap
olhar para o meu Instagram
me concentrar
limpar as minhas mãos
usar máscara
olhar para a tela na minha frente
ler e reler do começo uma e outra vez para encontrar o significado
para saber o que eu quero dizer e pode estar aqui, na minha cabeça.
Escrevo do confinamento de uma pandemia que parece não ter fim
escrevo também ativado pelo carinho por uma querida amiga
estou fora e estou dentro como as minhas unhas
paro por um momento e espero …
Me lembro que o que eu quero escrever tem a ver com a poética da vida
mas também com a política
e penso, não é a mesma coisa? Não é político ficar vivo diante
de estruturas que nos violam, nos mecanizam e nos homogeneízam?
não é poético gerar pensamentos críticos?
Então…
Que política e quão poético é isso?
não sei
eu falo de mim desde mim para quem?
para ninguém
Eu não represento ninguém
e ninguém me representa.
Me cansa a produção exacerbada para a câmera, para as redes sociais
para ficar presente, para não parar de produzir …
produzir
produzir
produzir
produzir
produzir
como é difícil parar de pensar nessa palavra
como é difícil parar de ativá-la
nossa tarefa de desidentificação é infinita.
Mesmo, apesar disso, continuou mecanicamente porque eu gosto desse jogo de deixar meus dedos escreverem e deixar minha mente correr
jogando palavras trazendo de volta memórias
desejos
impulsos
que façam alguma coisa
pensar e pensar incessantemente porque dói
perder um tempo precioso sem ter feito algo, sem ter deixado algo
e tudo isso…. é puro sarcasmo …
…e então
Nunca soube aproveitar esses momentos de fama tão efêmera
das redes sociais
me dão medo
me assustam e me ultrapassam sempre
me deixam com dúvidas
me desafiam
mas mesmo assim volto a cada dois minutos para ver as atualizações
reconheço a incongruência que me habita, não posso negar
porque se você não está nas redes sociais não existe
faça o que fizer
quanto mais exposição melhor
quanto mais espetáculo mais seguidores e likes.
Bom…
agora eu apenas respiro
sinto que é algum tipo de terapia
vazamento
respiro de novo e só penso em como esse texto soaria bem na voz de outra pessoa, uma voz estrangeira, com outro tom de voz.
Eu começo a ler tudo de novo
desde o princípio
questiono a validade deste pequeno solilóquio
nem político, nem poético, simplesmente é, ou talvez não
Ouço o latido do meu cachorro que fica excitado ao ver as pessoas passarem, adoraria sentir o mesmo e reagir da mesma forma
correr de um lugar para outro freneticamente
cheirar a metros e metros de distância e reconhecer até
o mais profundo de você…
… então eu paro
Eu conto as palavras e os caracteres
e descubro que já ultrapassei os limites
existem mais de 2400 caracteres
existem mais de 500 palavras.
E eu me pergunto?
e agora que parte deste texto eu removo
e eu só penso que:
leve tudo embora.
atire tudo
atire tudo
tudo
tudo
tudo.
____
Fausto Gracia (México): artista visual, performer, promotore cultural e curadore.
A metalinguagem parece nos assolar em tempos de pandemia. Desvelar as entranhas a estruturas do texto para deixar fluir afetos e desejos.
Me senti representada.