Uma libertária: Matilde Magrassi no Brasil e na Argentina

Por Fernanda Grigolin

Matilde Magrassi foi uma anarquista italiana que viveu no
Brasil, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, e na capital
argentina, Buenos Aires. Escreveu na imprensa operária brasileira
artigos sobre educação e emancipação feminina, tendo sua
participação mais ativa no jornal Novo Rumo, mas contribuiu em
O Libertário, O Chapeleiro, La Nuova Gente e há notas em seu
nome em La Protesta Humana. Na Argentina formou parte do
grupo Las Libertarias. Matilde é considerada precursora do que
hoje se denomina anarcofeminismo, tinha uma atuação anticlerical,
anticapitalista e anarcossindicalista.


Ao cruzar textos sobre mulheres anarquistas no início
do século XX no Brasil e na Argentina, o nome de Matilde
é citado por especialistas em ambos países. A pesquisadora
argentina Dora Barrancos destaca que Matilde Magrassi está
entre as que desenvolveram estratégias específicas de uma
ação feminina operária e anarquista na Argentina na primeira
década de 1900 com atuação dentro dos sindicatos. As
historiadoras brasileiras Margareth Rago e Samanta Mendes
também exemplificam as atividades de Matilde como escritora
de importantes manifestos publicados na imprensa operária
brasileira na primeira década dos 1900.


Não se sabe o ano de nascimento de Matilde. Talvez seja natural
de Modena, pois Luigi Magrassi era dessa região italiana;
Matilde e Luigi, ambos anarquistas, pertenciam à mesma família.
No Brasil e na Argentina não há registro de migração de uma
Matilde Magrassi, porém há registro de entrada no Uruguai de
Maria Dora Matilde Magrassi Baquetta, e é bem possível que ela
seja Matilde Magrassi; também há uma Josefa Magrassi Baquetta
nos registros do final do século XIX no mesmo país.


Alguns historiadores afirmam que Luigi era marido de Matilde;
segundo outros, ela era sua mãe. É bem provável que fosse
mãe ou mais velha que ele: no jornal La Protesta Humana de 8
de março de 1902, Matilde Magrassi torna pública sua saída do
grupo Las Libertarias por questões de saúde e de idade. O ano
coincide com a intensificação das atividades anarcossindicalistas
de Luigi, com 28 anos, e sua expulsão da Argentina. Nascido em
1874, Luigi foi tipógrafo e jornalista; foi importante articulador
da FORA (Federación Obrera Regional Argentina) e participante
ativo da greve dos padeiros (1902). Há registros que ele viveu
um curto período em Montevidéu, após ser expulso da Argentina
(1903). No Brasil, Luigi seguiu participando de atividades
anarquistas,esteve no Congresso Operário Brasileiro em 1906,
por exemplo, e, de volta à Argentina em 1910, fez parte da Liga
de la Educación Racionalista.


Tanto Matilde quanto Luigi pertenceram a um núcleo de
italianos que foram importantes propagadores de ideais anarquistas
com atuação transnacional, formação de coletivos e
articuladores de periódicos, tanto em conteúdo quanto em
forma. No jornal Novo Rumo Matilde teve participação ativa e
frequente, seus textos ocupam espaços de destaque em diversas
edições da publicação, e no exemplar de 01/05/1906, o texto
de abertura sobre o Primeiro de Maio é assinado por ela, por
exemplo. Fundado na cidade do Rio de Janeiro em dezembro de
1905, Novo Rumo circulou de 1906 a 1910. Edgard Rodrigues, arquivista
anarquista, destacou, em sua pesquisa, o papel pioneiro
de Matilde em discutir a emancipação da mulher na imprensa
operária anarquista no Brasil.


Infelizmente não encontramos textos de Matilde Magrassi
em periódicos argentinos, apenas notas escritas por ela
convocando reuniões de mulheres em La Protesta Humana,
dos anos de 1901 e 1902. Contudo, a busca em Buenos Aires
foi primordial para descobrir a estadia da família Magrassi em
terras rioplatenses no início do século XX e suas relações com
o núcleo italiano anarquista aqui iniciado no final do século
XIX, que contou também com Pietro Gori e Errico Malatesta,
entre outros.


Nos escritos de Matilde, são nítidas as influências das
ideias de Malatesta. Ela morou na Argentina em um momento
de muitas agitações promovidas por mulheres, foi contemporânea
de Virginia Bolten, que também escrevia em La Protesta
Humana na mesma época, e é provável que se conheceram.
Portanto, por mais que alguns afirmem que Matilde já trazia
da Itália suas ideias, pode-se dizer que o encontro em coletivo
com outras mulheres latino-americanas e a vida nas cidades
por onde passou a influenciaram. Em seus textos, ora há uma interlocutora (a mulher operária, a mãe, a jovem operária),
ora ela trata de temas vinculados ao anarquismo (greve geral,
Primeiro de Maio). Mesmo que Matilde tenha uma visão
eurocêntrica da realidade social da mulher operária, é importante
conhecê-la e nos reconhecer em sua luta, pois praticou o
anarquismo por um mundo justo. As histórias dela e de outras
libertárias devem ser recuperadas.

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Um livro com traduções dos textos de Matilde Magrassi foi publicado pela Tenda de Livros em 2018 com trabalho colaborativo entre Fernanda Grigolin, Flor Pastorella e Laura Daviña. Acesse o pdf aqui

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